QUEM VÊ CARA NÃO VÊ CORAÇÃO…CONHEÇA A HISTORIA DE TED BUNDY

Era 30 de dezembro de 1977 e o mundo se preparava para a chegada do próximo ano. Jovens viajavam, famílias faziam compras para a ceia do dia seguinte e amigos faziam planos para o futuro — mas não Theodore Robert Cowell.

Então com 31 anos, Ted se preparava para entrar em 1978 com o pé direito: fugindo da prisão nos Estados Unidos. Após seis anos preso por ter assediado e tentado sequestrar Carol DaRonch, o rapaz pretendia escapar antes de ser julgado pelo assassinato de Caryn Campbell na quinzena seguinte.

Seus esquemas já haviam dado errado duas vezes e esta seria sua terceira tentativa de alcançar a liberdade. Por sorte (ou azar), o chefe da segurança da penitenciária em que Ted estava havia saído, o que contribuiu para que o plano dele finalmente desse certo.

A fuga do criminoso só seria descoberta no dia seguinte, mas era tarde demais: naquele momento Ted já havia percorrido as centenas de quilômetros que dividem Denver, no Colorado, e a pacata cidade de Tallahassee, na Flórida. Chegando lá o rapaz se instalou nas vizinhanças da Universidade do Estado da Flórida, onde convivia com estudantes e professores. O que eles não podiam imaginar é que estavam na presença de um dos serial killers mais prolíficos dos Estados Unidos.

Infância atribulada
Theodore nasceu em novembro de 1946 e viveu na casa dos avós até sua mãe, Eleanor Louise Cowell, encontrar seu padrasto — de quem veio o sobrenome Bundy. O problema é que a infância do rapaz foi atribulada: além de ter que conviver com as explosões de violência do avô (que muitas vezes agredia a avó), Ted foi criado acreditando que sua mãe era na verdade sua irmã, e seus avós, seus pais adotivos.

Nas diversas entrevistas que concedeu após se tornar famoso, Bundy demonstrou ternura pelos avós, mas relatou mais de uma vez que não tinha amigos e que “não sabia o que os outros buscavam em uma amizade”. Foi investigado por roubos duas vezes durante o ensino médio, mas sua ficha foi limpa quando ele alcançou a maioridade.

Um cara como qualquer outro
O que mais chocou o mundo na época em que Ted Bundy foi condenado à morte pelo assassinato de 36 jovens foi o seguinte: ele era um cara comum. Com olhos azuis e cabelos escuros, o rapaz estava sempre arrumado e esbanjava simpatia.

No âmbito profissional, trabalhou em diversos setores, como uma linha telefônica de prevenção ao suicídio e o comitê anticrime de Seattle (ironicamente, um de seus projetos foi uma cartilha de prevenção ao estupro direcionada ao público feminino).
Quando o assunto era amor, também não havia nada que destoasse do convencional. Bundy namorou várias garotas, mas seu grande amor foi Elizabeth Kloepfer. Os dois ficaram juntos por algum tempo e o psicopata atuou como figura paterna para Tina, filha da parceira, até o término do relacionamento.

Primeiros crimes?
Foi em 1974 que meninas começaram a desaparecer dos campi universitários nos estados de Washington e Oregon, região vizinha à casa de Bundy. No outono daquele ano, o jovem resolveu começar a estudar direito na Universidade de Utah e, não por coincidência, diversas estudantes de lá foram sequestradas, abusadas e mortas.
Um dos ataques ocorreu contra Carol DaRonch, que felizmente conseguiu escapar e contatar a polícia. A estudante deu às autoridades uma descrição do homem, do Volkswagen que ele dirigia e uma amostra de seu sangue que ficou em sua jaqueta durante a luta. Poucas horas após o ataque de DaRonch, Debbie Kent, de 17 anos, desapareceu.

Nessa época, pedestres descobriram um “cemitério de ossos” em uma floresta de Washington e, após análises, foi constatado que os corpos pertenciam a mulheres desaparecidas em Washington e Utah. Investigadores de ambos os estados comunicaram-se e elaboraram um perfil e esboço composto de um homem chamado “Ted”.
À época, Kloepfer estava ciente de que Bundy havia se mudado para a área dos assassinatos e ligou para a polícia para reafirmar suas suspeitas: Bundy estava por trás das mortes. Neste momento, muitas evidências apontavam para Ted Bundy e, quando os investigadores de Washington reuniram seus dados, o nome do rapaz apareceu no topo da lista de suspeitos.

Inconsciente do crescente interesse da força policial por ele, Bundy continuou viajando pelos Estados Unidos, seduzindo mulheres e as assassinando. Foi por acidente que, em agosto de 1975, o rapaz foi preso.

Prisão: parte 1
O oficial de trânsito Bob Hayward realizava um procedimento padrão tentando parar um carro que ia em alta velocidade —, mas suas suspeitas cresceram quando o motorista tentou fugir, desligando as luzes do carro e desrespeitando os sinais vermelhos.

Quando finalmente conseguiu alcançar o Volkswagen, o guarda revistou o veículo e, para sua surpresa, encontrou algemas, um picador de gelo, um pé-de-cabra, uma meia-calça com buracos para os olhos e outros itens questionáveis. Hayward resolveu prender o rapaz por suspeita de roubo. O que o oficial não sabia é que acabara de capturar um dos homens mais procurados nos Estados Unidos: Ted Bundy.
O rapaz foi preso e condenado pela tentativa de sequestro de Carol DaRonch — e teria sido julgado pela morte de Caryn Campbell se não tivesse conseguido, depois de duas tentativas falhas, fugir da prisão em dezembro de 1977.

Flórida
Neste momento Bundy já era temido e procurado em todo o país, mas foram os assassinatos de 14 de janeiro de 1978 que o tornaram realmente famoso. Ele invadiu a casa de fraternidade Chi Omega da Universidade Estadual da Flórida, onde estava à época, espancou e estrangulou até a morte duas meninas, estuprando uma delas e mordendo-a brutalmente em suas nádegas e em um mamilo.

O assassino também bateu na cabeça de outras duas moradoras da casa, que conseguiram sobreviver. Os investigadores atribuíram o salvamento das duas a Nita Neary, que também vivia no local, pois ela chegou em casa e interrompeu Bundy antes que ele pudesse matá-las.

Como Neary explicou à polícia, ela chegou em casa por volta das 3 da manhã e notou que a porta da frente estava entreaberta. Quando entrou, ouviu passos apressados no andar de cima e se escondeu atrás de uma porta. Foi aí que pôde ver um homem vestindo um boné azul e carregando algo que se assemelhava a um tronco deixar a casa. Bundy ainda invadiu outra residência naquela noite e tentou estuprar uma jovem, mas desistiu por medo de ser capturado.
Prisão: parte 2
Em 9 de fevereiro de 1978, Bundy matou novamente. Desta vez a vítima foi Kimberly Leach, de 12 anos, que ele sequestrou, mutilou e jogou em um rio. Uma semana depois do sumiço da jovem, Bundy cometeu um erro: dirigir um veículo roubado em Pensacola, na Flórida. Ele foi parado na rodovia e preso.

Graças à cooperação de testemunhas da Universidade da Flórida, das outras vítimas dos assassinatos em Chi Omega e dos colegas de Leach, o serial killer foi condenado pela justiça. Outros fatos importantes foram as evidências físicas que o ligavam aos três assassinatos —, dentre eles um molde feito a partir das marcas de mordidas encontradas em uma das vítimas da irmandade.

Durante seus julgamentos, Bundy resolveu defender a si mesmo: “Ficarei com o homem que mais conheço no momento, e este sou eu”, declarou a um jornalista da época. Achando que poderia ganhar os processos, recusou um acordo pela qual se declararia culpado de matar as duas vítimas da irmandades e Kimberly LaFouche em troca de três sentenças de 25 anos.
Bundy foi a julgamento na Flórida em 25 de junho de 1979 pelos assassinatos das mulheres da fraternidade. O julgamento foi televisionado e Bundy agiu de forma midiática e sedutora para tentar convencer o júri — e os norte-americanos — de sua inocência. Mesmo assim foi considerado culpado e recebeu duas sentenças de morte.

Em 7 de janeiro de 1980, Bundy foi a julgamento por matar Kimberly Leach, mas desta vez permitiu que seus advogados o representassem. A estratégia da defesa foi pedir absolvição alegando insanidade — a única defesa possível com a quantidade de provas que o Estado tinha contra ele. Seu comportamento foi muito diferente durante esse julgamento, exibindo ataques de raiva, esticando-se em sua cadeira e encarando o júri e a plateia. Bundy foi considerado culpado e recebeu sua terceira sentença de morte.

Um detalhe intrigante ocorreu durante a fase de condenação, quando Bundy surpreendeu a todos chamando a jovem Carole Boone como testemunha de defesa — e casando-se com ela durante seu relato. Boone demorou para aceitar que Bundy era responsável pelas atrocidades das quais fora acusado. Quando pediu o divórcio, o casal já tinha tido uma filha.
Confissões e Modus Operandi
Logo após a conclusão do julgamento de Leach e o início do longo processo de apelação que se seguiu, Bundy iniciou uma série de entrevistas com os jornalistas Stephen Michaud e Hugh Aynesworth. Ele falava principalmente em terceira pessoa para evitar “o estigma da confissão”, mas relatava pela primeira vez os detalhes de seus crimes — sua forma de pensar.

Após anos tentando convencer as autoridades sobre sua inocência Ted Bundy não tinha mais como apelar judicialmente, e foi aí que ele topou ter uma conversa franca com alguns investigadores. Neste período o assassino confessou ter assassinado 36 mulheres, descrevendo o que havia feito com cada uma delas e onde estavam os seus cadáveres.
Como já se suspeitava, Bundy apresentou uma preferência ao se tratar dos perfis de suas vítimas e ao modus operandi. De acordo com documentos da época, na maioria dos casos o homem se aproximava das mulheres em busca de ajuda, ou pedia auxílio para levar algo a seu carro — às vezes usando gesso no braço ou muletas para parecer inofensivo.

Todas as vítimas conhecidas de Bundy eram mulheres brancas, com cabelos longos e lisos repartidos ao meio. A maioria era de classe média, tinha entre 15 e 25 anos e era estudante universitária. O grande amor de sua vida, Elizabeth Kloepfer, também tinha esse perfil. Na última conversa que teve com ela, Bundy contou ter se afastado propositadamente “quando sentiu o poder de sua doença se acumulando nele”, indicando que poderia vir a matá-la.

O modus operandi de Bundy evoluiu em organização e sofisticação ao longo do tempo, como é típico dos assassinos em série, de acordo com especialistas do FBI. Logo no início, consistia na invasão de uma casa durante a noite, seguida de um ataque violento enquanto a vítima dormia. À medida que sua “metodologia” evoluiu, Bundy tornou-se progressivamente mais organizado em sua escolha de vítimas e cenas de crime.

Uma vez perto ou dentro de seu carro, a vítima era dominada, espancada e algemada antes de ser abusada e estrangulada. Bundy então transportava as vítimas para um local secundário pré-selecionado, muitas vezes a uma distância considerável de onde havia feito a abdução.
No local de desova do corpo, o serial killer removia e queimava as roupas das vítimas porque, segundo ele, além de ser um ritual, era uma forma de destruir possíveis provas. Ironicamente, um erro de fabricação nas fibras de sua própria roupa foi utilizado como evidência crucial para a acusação no caso de Kimberly Leach.

A prática mais sinistra de Bundy, contudo, provavelmente era a necrofilia. Frequentemente o assassino “revisitava” os corpos, os vestia, maquiava, pintava suas unhas e até tirava foto com eles: “Quando você trabalha duro para fazer algo certo não quer esquecer disso”, disse ao investigador Robert Keppel.
Ao agente especial William Hagmaier, da Unidade de Análise Comportamental do FBI, confidenciou sobre os cadáveres: “Se você tem tempo eles podem ser o que você quiser”. Acredita-se que praticava atos sexuais com os corpos até um estado de putrefação significantemente avançado.

Como se não bastasse, Bundy confessou ter decapitado aproximadamente 12 de suas vítimas com uma serra, mantendo-as em seu apartamento por um período antes de descartá-las. No caso de Donna Manson, por exemplo, o criminoso afirmou ter utilizado a lareira de sua ex-namorada, Kloepfer, para incinerar a cabeça decepada: “De todas as coisas que eu fiz [para Kloepfer] essa provavelmente é a que ela menos perdoaria. Pobre Liz”, contou a Keppel.

Antes de desenvolver um padrão, contudo, Bundy provavelmente matou diversas pessoas. Estudando a vida e as afirmações do serial killer, as autoridades chegaram ao número aproximado de 65 outras possíveis vítimas. O primeiro assassinato teria sido aos 14 anos, quando Bundy teria matado um vizinho de 8 anos.

Diagnósticos
Bundy foi submetido a múltiplos exames psiquiátricos, mas as conclusões dos especialistas variam até hoje. Enquanto alguns apontam sintomas de transtorno bipolar, outros sugerem a possibilidade de um transtorno de personalidade múltipla, baseado em comportamentos descritos em entrevistas e depoimentos no tribunal. Certa vez, uma tia-avó testemunhou um episódio durante o qual Bundy “parecia se transformar em outra pessoa irreconhecível”.

O comportamento do criminoso também se encaixa em alguns tipos de psicose, como o transtorno de personalidade antissocial, já que Bundy exibia traços de personalidade típicos da condição — frequentemente identificada como “sociopatia” ou “psicopatia”. Dentre eles estão o charme e o carisma (ambos forjados), a dificuldade de distinguir o certo do errado, a falta de empatia e a ausência de culpa ou remorso.

Na tarde anterior à sua execução, em 24 de janeiro de 1989, Bundy concedeu uma entrevista a James Dobson, psicólogo e fundador da organização evangélica cristã Focus on the Family. Ele aproveitou a oportunidade para fazer novas alegações sobre a violência na mídia e as “raízes” pornográficas de seus crimes: “Aconteceu em etapas, gradualmente. (..) Eu continuava procurando por tipos de materiais mais potentes, mais explícitos e mais gráficos. Até você chegar a um ponto em que a pornografia só vai tão longe que você começa a se questionar se, na verdade, [poderia] fazer aquilo além de apenas ler ou olhar”.

O que todos os especialistas concordam é que só o fato de ter uma dessas características não torna alguém um serial killer. Existem muitos outros mistérios que ainda circundam casos como o de Bundy, e só mais pesquisas podem trazer luz a casos como o dele.

Nasce uma lenda
Ao ser levado para a câmara da morte, civis comemoravam nas ruas de Raiford, na Flórida, onde ficava a prisão. Testemunhas contam que o prisioneiro havia passado as últimas horas de sua vida chorando e rezando, além de ter deixado sua última refeição no corredor da morte intocada.

Suas últimas palavras foram: “Jim e Fred, eu gostaria que vocês dessem meu amor à minha família e amigos”. Jim Coleman era um de seus advogados e Fred Lawrence era o ministro metodista que rezara com Bundy durante a noite.

Desde sua execução, Ted Bundy se tornou uma espécie de lenda. Hoje diversos filmes, séries e livros são produzidos para relatar sua história e tentar entender sua mente macabra. O último deles estreou em julho de 2019: A irresistível face do mal, estrelado por Zac Efron.

Mas não é só pela cultura que o serial killer continua fazendo parte do imaginário social. Hoje diversos blogs e sites são dedicados a defender Bundy — ou declarar amor ao “bonitão”. Segundo a escritora Ann Rule, que biografou a história do criminoso, ele tinha fãs mesmo à época de sua execução. Ela conta que seu incômodo foi grande quando percebeu que numerosas “jovens mulheres sensíveis, inteligentes e gentis” escreviam e ligavam para o assassino: “Cada uma acreditava ser única”, relatou. “Mesmo na morte, Ted danificou as mulheres”.

(https://revistagalileu.globo.com/sociedade/noticia/2019/08/conheca-ted-bundy-serial-killer-que-usava-o-charme-para-atrair-vitimas.ghtml)