O recasamento e seus impactos sobre as crianças
Refletir sobre recasamento requer colocar em pauta o tema casamento e seu significado no mundo em que vivemos marcado, como diz o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, pela fragilidade dos laços humanos. Segundo Bauman (2004), na medida em que os relacionamentos são vistos como investimentos, como garantia de segurança e solução para os problemas, tendem a parecer um jogo de cara-ou-coroa. O sociólogo conclui que, se a solidão provoca insegurança, o relacionamento não parece fazer outra coisa. Assim sendo, numa relação, os homens e mulheres da modernidade líquida podem sentir-se tão inseguros quanto sem um parceiro, ou até mesmo piores.
É importante ressaltar em que medida esta instabilidade nas relações revela, por mais paradoxal que pareça, a importância que os relacionamentos assumiram na chamada “modernidade líquida”. Segundo o sociólogo polonês, apesar dos seus óbvios riscos, o tema relacionamento encontra-se na ordem do dia, tornando-se um dos principais motores da onda do aconselhamento. Afinal, conclui o sociólogo, “hoje em dia as atenções humanas tendem a se concentrar nas satisfações que esperamos obter das relações precisamente porque, de alguma forma, estas não têm sido consideradas plenamente satisfatórias” .
Neste contexto, o tema recasamento vem despertando a atenção não apenas dos estudiosos, mas sobretudo da população em geral e da mídia. Em março de 2005, o Jornal carioca “O Globo” publicou uma matéria de capa na revista semanal distribuída aos domingos, sobre as mudanças na relação entre madrastas e enteados. A matéria, assinada pela jornalista Tânia Neves, trata desta figura feminina que entra no vácuo deixado pela mãe.
A mudança principal, segundo avalia a jornalista, começa pelo fato de que antes, a madrasta substituía a mãe morta ou ausente, enquanto hoje, com os recasamentos cada vez mais freqüentes, ela é apenas a nova esposa do pai, assim como a mãe poderá ter um novo marido. Assim sendo, a madrasta de hoje, na maioria das vezes, não está ocupando o lugar de ninguém na vida dos filhos .
A causa desta mudança está diretamente ligada, como já ressaltamos, às transformações operadas na família, nas últimas décadas. A propósito, ao abordar o tema das transformações ocorridas na família, o sociólogo inglês Anthony Giddens conclui com um exemplo retirado da sua própria família. Ele se refere a uma tia que vivera sessenta anos de um casamento infeliz do qual sequer podia pensar, em seu tempo, de se livrar. Os homens e mulheres de nossos tempos, no mundo ocidental, não precisam estar presos a um casamento infeliz, muito embora a separação de um casal continue sendo um evento traumático.
Segundo Behrman & Quinn (1994), as taxas de divórcio tem crescido desde os anos de 1860 (cerca de 10 em 1000 mulheres casadas em um ano), embora tenha havido flutuações consideráveis através das décadas. Houve um pico após a segunda Grande Guerra, (24 por mil), seguido por uma queda nos anos 1950, (15 por mil). Durante os anos setenta, as taxas cresceram dramaticamente até alcançar 40 por mil, a mais alta proporção de todos os tempos. As taxas de divórcio diminuíram nos anos oitenta (37 por mil em 1988); entretanto, os pesquisadores avaliam que pelo menos 40% das mulheres adultas nos anos noventa tinham probabilidade de virem a se divorciar em algum momento de suas vidas.
O crescimento das taxas de divórcio durante os primeiros anos do casamento resulta numa alta proporção de rupturas entre pais com crianças pequenas. Neste contexto, segundo Behrman & Quinn, (1994), nas duas últimas décadas mais de um milhão de crianças a cada ano experimentam o divórcio na família e a expectativa de crescimento deste número é substancial. A maioria destas crianças, conforme concluem estes autores, passa por mudanças significativas em suas vidas e a taxa de pobreza é cerca do dobro para filhos de pais divorciados. Em 1990, apenas 58% das crianças moravam com dois pais biológicos; e as outras que não compõem esse percentual, em sua grande maioria, moravam numa variedade de outros arranjos encabeçados por um ou mais adultos.
No Brasil, o número de dissoluções de casamentos, por separação judicial ou por divórcio, vem aumentando gradativamente. Segundo dados do IBGE , no período que compreende os anos de 1991 a 2002 o volume de separações subiu de 76223 para 99693, e o de divórcios de 81128 para 129520, refletindo variações de 30,7% e 59,6%, respectivamente. No ano de 2002, a média da idade dos cônjuges no momento da separação judicial e divórcio foi de 37,7 para homens e 35 anos para mulheres.
A proporção de casais com filhos menores de idade nas separações judiciais no mesmo período foi de 73,1% e nos divórcios de 58,4%. A responsabilidade da Guarda dos filhos menores ficou, em sua maioria, ao encargo das mães (91,8% nas separações e 89,7% nos divórcios). Ainda segundo dados do IBGE, apenas 4,8% dos pais assumiram a Guarda dos filhos nos casos de separação e 5,8% nos divórcios. Em 2,6% das separações e 2,7% dos divórcios ambos os pais eram responsáveis pela Guarda dos filhos menores.
Os dados do IBGE revelam que o segundo tipo mais freqüente de casamento é aquele em que apenas um dos cônjuges se casa pela primeira vez (10,5%). Dentre estes, a união entre divorciados e solteiros é a mais freqüente, e representou 8,3% do total de casamentos em 2002. O recasamento de homens divorciados passou de 5,3% do total, em 1991, para 10,8%, neste mesmo ano. Na última década, cresceu em 57,7% o número de homens divorciados ou viúvos encarando um segundo casamento: 71.951 em 2003 contra 45.622 em 1993 – teoricamente, portanto, há cada vez mais mulheres vivenciando a experiência de serem madrastas.
Apesar destes dados evidenciarem a amplitude das transformações nos arranjos familiares, em nosso país, os estudos sociodemográficos estão focados no crescimento das famílias monoparentais. Segundo Jacquet e Costa (2004b), enquanto dados levantados em outros países sublinham que o crescimento das famílias recompostas superou o das famílias monoparentais, o estudo destas famílias, no Brasil, carece de uma análise mais sistemática. Neste contexto, as pesquisadoras registram a impotência em que se encontram os interessados na análise do tema, devido à carência de dados, em nosso país.
Segundo Behrman & Quinn, (1994), o recasamento e a reestruturação da família tem importantes conseqüências para as crianças. No final dos anos sessenta, as taxas de recasamento aumentaram. Nos Estados Unidos, 60% das mulheres brancas cujo casamento terminou em divórcio entre 1965 e 1984 se casaram novamente até 1998.
Os dados da Family Law Association, coletados em junho de 1990, revelam que cerca de três quartos das mulheres que se divorciaram antes de 25 anos se casaram novamente; dois terços das que se divorciaram entre 25 e 29 anos se casaram novamente; metade das que se divorciaram entre 35 e 39 se casaram novamente.
Seja qual for a estrutura familiar, concluem Behrman & Quinn, (1994), a criança tem melhores oportunidades de se desenvolver apenas quando a família provém um ambiente amoroso, enriquecedor, estável e protetor. Assim sendo, os temas centrais do divórcio particularmente significativos para o bem estar das crianças são: o processo de divórcio; a decisão sobre a guarda e a visitação; o suporte financeiro à criança após o divórcio.
Os relatórios norte-americanos mais recentes demonstram, segundo Wallerstein et al., (2002) que 25% de todas as crianças passarão parte da infância numa família com padrasto ou madrasta. Além disto, em 40% de todos os casamentos nos anos noventa, uma ou as duas pessoas já foram casadas antes. O que implica, conforme observam as pesquisadoras mencionadas, em novos papéis para milhões de adultos e crianças.
Se para os adultos, essa situação significa saber o que é preciso para ser uma madrasta ou um padrasto bem sucedidos, para as crianças, significa lidar com a chegada de um estranho que passa a residir no seio da família. De acordo com Wallerstein e sua equipe de pesquisadores, “nenhum dos dois desafios é fácil, pois ambos estão cheios de potencial para mal-entendidos e tristeza, assim como para um profundo apoio emocional e amor leal”. Na perspectiva da criança, conclui Wallerstein et al., (2002): um padrasto ou namorado que convive com a família não é imediatamente bem vindo.
“Afinal de contas, ele é um estranho misterioso e mascarado, que entra no palco no meio do segundo ato para assumir uma posição de comando. A maioria das crianças não quer que a peça mude; certamente não desejam novos atores e gostam da simplicidade do primeiro ato”.
A permanência do pai e da mãe juntos representa, segundo Wallerstein et al., (2002) “a sensação de inteireza que a criança está perdendo por causa do divórcio, mas a chegada do padrasto ou madrasta é uma declaração poderosa de que o divórcio veio para ficar”. Na observação das pesquisadoras, essa não é uma notícia bem-vinda para muitas crianças, que “no fundo se apegam à esperança de que o pai entre pela porta e reassuma o lugar dele à cabeceira da mesa”.
Wallerstein et al., (2002), se referem à existência de um conflito de interesses entre o casal recém-casado e as crianças. Se o novo casal deseja privacidade, as crianças, temendo perder o que tiveram, exigem mais tempo dos pais e encontram infinitos recursos, seja adoecendo, inventando emergências ou simplesmente fazendo travessuras. Neste contexto, cabe aos pais se empenharem para encontrar um equilíbrio, distribuindo de forma sensata o tempo entre o novo casal e as crianças.
Se o divórcio e o recasamento são, decerto, uma etapa que exige muita habilidade dos adultos, é preciso esclarecer que a separação não é necessariamente sinônimo de prejuízo ou dano ao desenvolvimento dos filhos. Ao contrário, segundo a psicoterapeuta Anna Karynne Melo , a separação conjugal, quando bem trabalhada, pode ser superada e até mesmo trazer ganhos qualitativos para a relação familiar. Pais separados podem ser mais saudáveis do que em uma relação desgastada e ruim para ambos.
A psicoterapeuta avalia que a insegurança de um filho por presenciar constantes situações de conflito ou infelicidade na família pode ser igualmente prejudicial. A separação, ao contrário, seria a oportunidade da criança conviver em um ambiente mais favorável. As crianças devem ser informadas sobre o que significa essa separação, evitando que fantasiem sobre os possíveis motivos da mudança. As brigas devem ser evitadas, mas é importante sinalizar que a relação passa por dificuldades.
É evidente que a ameaça de perder um dos pais envolve sentimentos de raiva, medo do abandono e até mesmo culpa de ser a causa da separação. As crianças sofrem efeitos negativos quando colocadas no meio de conflitos entre os pais ou chamadas a tomar partido de um dos lados. Topologo Maudeni, pesquisador da Universidade de Botswana, ressalta a importância das crianças serem informadas e participaram das decisões que afetam suas vidas. Segundo afirma Maudeni (2002), “a informação clara e adequada sobre o que está acontecendo com sua família ajuda a criança a lidar com as mudanças que estão ocorrendo e que podem vir a ocorrer”.
https://scholar.google.com.br/citations?user=ZW10KKkAAAAJ…
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Richard Gardner foi um promotor ativo e eficaz da SAP e a usou para criar uma pequena indústria de advogados e profissionais de saúde mental que desfrutaram de grandes rendas apoiando práticas que ajudam pais abusivos. A maioria dos casos de custódia de crianças são resolvidos de forma mais ou menos amigável. O problema é com 3,8% dos casos que exigem julgamento e muitas vezes muito mais. [4] Embora muitos profissionais do tribunal tenham sido induzidos a tratá-los como casos de “alto conflito”, o que significa que ambos os pais estão agindo de maneiras que magoam as crianças, a pesquisa demonstra que a grande maioria desses casos é realmente violência doméstica. [5] Os abusadores mais perigosos, aqueles que acreditam que seus parceiros não têm o direito de sair, estão usando uma variedade de táticas para manipular os tribunais para recuperar o controle sobre suas vítimas. A maioria desses agressores não cometeu o abuso físico mais grave, que é o que a maioria dos profissionais do tribunal está procurando e, portanto, eles não reconhecem o perigo ou os motivos.
A violência doméstica envolve uma variedade de táticas que os abusadores usam para controlar e coagir suas vítimas. O abuso econômico é uma tática comum, portanto os abusadores geralmente controlam a maioria dos recursos da família. Isso significa que a melhor maneira de os profissionais da justiça ganharem uma grande renda é apoiar práticas que favoreçam pais abusivos.
Não acredito que o PAS teria tido tanto sucesso em espalhar seu veneno nos tribunais de família se os juízes estivessem cientes de sua origem. O problema é que a maioria dos advogados das mães protetoras, especialmente quando o SAP apareceu pela primeira vez, desconhecia sua história ou suas enormes falhas. Em muitos casos, eles levantaram poucas ou nenhuma objeção à teoria falsa que nunca teve o suporte científico necessário para justificar os tribunais a considerá-la.
A PAS se baseia no pressuposto de que as crianças precisam de ambos os pais igualmente e que qualquer alienação deve ser tratada como a questão mais importante, senão a única, com que o tribunal deve se preocupar. Na realidade, as crianças não precisam de ambos os pais igualmente, embora pareça justo na superfície. Eles precisam de sua figura de apego primária mais do que o outro pai e do pai seguro mais do que o abusivo.
Mesmo em famílias intactas, as crianças geralmente ouvem os pais criticarem uns aos outros. Embora eu não encoraje isso, a experiência não impede que as crianças tenham uma vida plena e feliz. Um conflito entre os filhos e os pais provavelmente durará pouco tempo e terá efeitos limitados. Gardner nunca forneceu qualquer base científica para tratar isso como a questão mais importante. Um dos problemas, entretanto, é que muitas das suposições errôneas são ocultadas do tribunal.
A PAS é baseada na crença tendenciosa de que virtualmente todos os relatórios que mães ou filhos fazem sobre abuso são falsos. Na medida em que há algo para apoiar essa afirmação, os proponentes do PAS automaticamente desacreditam de praticamente todos os relatórios e usam seus próprios resultados tendenciosos para apoiar o PAS. Na realidade, no contexto de casos de custódia contestados, menos de 2% das denúncias de mães contra pais são deliberadamente falsas. [7] Esse fato por si só deveria desacreditar totalmente a SAP.
O mesmo estudo descobriu que os pais têm 16 vezes mais probabilidade do que as mães de fazer denúncias falsas deliberadas. [8] À primeira vista, parece difícil de acreditar, pois as mulheres não são 16 vezes mais honestas do que os homens, mas não é isso que o estudo diz. O estudo é limitado a casos de custódia contestados que são predominantemente casos de violência doméstica com os piores abusadores. Eles acreditam que ela não tinha o direito de sair, então eles têm o direito de usar qualquer tática necessária para reafirmar o controle que eles acreditam ter direito.
O Estudo de Saunders é uma pesquisa altamente confiável que vem do Instituto Nacional de Justiça do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O objetivo foi analisar o conhecimento e a formação sobre violência doméstica de avaliadores, juízes e advogados. As descobertas ajudam a explicar por que os tribunais tantas vezes deixam de proteger as crianças em casos de violência doméstica. O estudo descobriu que esses profissionais precisam mais do que treinamento generalizado em violência doméstica, o que pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Eles precisam de conhecimentos específicos que incluem exames de violência doméstica, avaliação de risco, violência pós-separação e o impacto da violência doméstica nas crianças. Significativamente, profissionais sem a experiência necessária tendem a acreditar no mito de que as mães freqüentemente fazem relatórios falsos e se concentram em teorias de alienação não científicas.[9]
Esta pesquisa demonstra que os pressupostos usados para preparar o SAP estavam errados e, na verdade, são o oposto da realidade. As crenças de Gardner e da indústria artesanal que promove seu trabalho são baseadas em sua ignorância fundamental de como funciona a violência doméstica. Portanto, quando um avaliador ou outro profissional está reivindicando PAS por qualquer nome que use para isso, eles estão dizendo ao tribunal mais sobre sua própria falta de experiência do que sobre as circunstâncias na família.
A PAS recomenda um remédio extremo no qual as crianças são forçadas a viver com o suposto agressor e negadas um relacionamento normal com sua mãe, que geralmente é sua principal figura de apego. O Estudo de Saunders incluiu uma seção exatamente sobre essas decisões que ele chamou de casos de “resultados prejudiciais”. Essas decisões são sempre erradas porque o dano de separar as crianças de sua figura de apego primária, um dano que inclui aumento do risco de depressão, baixa autoestima e suicídio quando mais velhos [10], é maior do que qualquer benefício que o tribunal pensava estar proporcionando. O Estudo de Saunders descobriu que essas decisões geralmente são baseadas em práticas muito falhas, então o resultado oposto muitas vezes teria beneficiado as crianças. [11] Portanto, o PAS recomenda que o tribunal imponha uma solução drástica que sempre vai contra os melhores interesses das crianças.
Todas as organizações legítimas de profissionais da área condenaram o uso de PAS. Grupos de direitos dos abusadores e profissionais da indústria artesanal que trabalham com eles montaram uma campanha agressiva para incluir o PAS no DSM-V, que é o compêndio de todos os diagnósticos de saúde mental válidos. A American Psychiatric Association rejeitou suas demandas porque não há base científica para apoiar a SAP.
Mesmo antes dessa última rejeição às tentativas de legitimar a SAP, os psicólogos começaram a ser punidos por confiar em um diagnóstico que não existe.
“Se o relatório do avaliador da custódia da criança indicar que se baseia, mesmo em parte, em uma teoria de SAP, o pai protetor deve pedir ao tribunal que rejeite o relatório em sua totalidade com base no fato de que a SAP não é um diagnóstico de saúde mental reconhecido e que o tribunal deve nomear outro avaliador da custódia dos filhos ou proceder sem ele. Tornou-se público que pelo menos três psicólogos foram punidos por seus conselhos de licenciamento por testemunharem em casos de custódia relativos a SAP. Se os conselhos de licenciamento de profissionais de saúde mental tomarem a medida de disciplinar um licenciado por usar o PAS em uma avaliação, então, obviamente, não se pode dizer que o PAS é aceito na profissão psicológica e, portanto, não deve ser admissível como prova. ” [12]
(https://nomas.org/parental-alienation-syndrome-hoax-hurts-children/#_ftn7)