1-IBDFAM_ IBDFAM divulga Nota Técnica sobre a Lei de Alienação Parental
ANÁLISE DA NOTA TÉCNICA DO IBDFAM SOBRE A LEI DE ALIENAÇÃO PARENTAL EM CONTRAPONTO COM DOCUMENTOS E DECLARAÇÕES DA ONU
Prezada Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo (OABSP),
Este relatório tem como objetivo analisar a “Nota Técnica sobre a Lei de Alienação Parental” divulgada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) em 09/07/2025, estabelecendo um contraponto detalhado com a posição de diversas entidades da Organização das Nações Unidas (ONU) e, em particular, com as declarações da Relatora Especial da ONU sobre violência contra mulheres e meninas, Reem Alsalem. Conforme solicitado, a análise de qualquer documento referente a um “coletivo de mãe” foi excluída deste relatório.
1. A NOTA TÉCNICA DO IBDFAM (09/07/2025) SOBRE A LEI DE ALIENAÇÃO PARENTAL
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), uma associação civil sem fins lucrativos, divulgou uma Nota Técnica em 09/07/2025, referente à Lei nº 12.318/10 (Lei de Alienação Parental – LAP) e à Lei nº 14.340/2022 (Lei de Aperfeiçoamento da LAP). A nota argumenta a favor da manutenção da Lei de Alienação Parental, alegando que ela protege integralmente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) contra o problema da manipulação de afetos e pensamentos de uma criança ou adolescente em casos de dissolução familiar.
O IBDFAM reconhece a contribuição de pesquisas científicas sobre o fenômeno da alienação parental, que, segundo a nota, é “a interferência na formação psicológica de uma criança ou adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós, ou por quem tenha a criança sob sua guarda ou vigilância, com o objetivo de fazer com que a criança ou adolescente acredite que o outro genitor é abusivo e levante alegações de abuso contra ele”. A nota também afirma que a Lei de Alienação Parental vem complementar a proteção integral do Estatuto da Criança e do Adolescente, diante da lacuna sobre a proteção da convivência familiar.
Apesar de reconhecer a violência doméstica e seus efeitos, o IBDFAM defende que a revogação da Lei de Alienação Parental não resolveria as questões complexas da violência contra mulheres e crianças, mas sim as invisibilizaria, reiterando que a alienação parental é um “empreendimento psicológico contra a criança”. O IBDFAM enfatiza que “a Lei nº 12.318/2010, ao classificar expressamente o fenômeno da alienação parental como uma forma de violência psicológica contra crianças e adolescentes, foca-se nos ‘atos de alienação parental'” e que essas condutas violam o direito fundamental da criança à convivência familiar saudável e à integridade psicológica.
2. POSIÇÃO DA ONU E OUTROS ÓRGÃOS INTERNACIONAIS SOBRE A ALIENAÇÃO PARENTAL
Em claro contraponto à posição do IBDFAM, diversas entidades da ONU e associações profissionais de saúde têm expressado preocupação e rejeição ao conceito de alienação parental:
• Organização Mundial da Saúde (OMS): Durante o desenvolvimento da CID- 11, a OMS decidiu não incluir o conceito e a terminologia de “alienação parental” na classificação, pois não se trata de um termo da área da saúde. A categoria mais ampla de “problema no relacionamento cuidador-criança” foi vista como cobrindo adequadamente aspectos desse fenômeno. No entanto, propostas de inclusão dos termos “alienação parental” e “afastamento parental” como termos de índice para “problema de relacionamento cuidador-criança” foram submetidas e inicialmente aprovadas. Após comentários, o Comitê Consultivo Médico e Científico da OMS-FIC esclareceu que a inclusão de um termo para fins de busca não significa endosso da OMS ou de seu uso, e que “questões e perguntas persistem sobre o uso indevido do termo para minar a credibilidade de um dos pais que alega abuso como motivo para recusa de contato e até mesmo para criminalizar seu comportamento”. Posteriormente, o termo de índice “alienação parental” foi removido, assim como o termo de índice paralelo “afastamento parental”. A OMS também afirma que “não há intervenções de saúde baseadas em evidências específicas para alienação parental”.
• Associação Psiquiátrica Americana (APA) e Associação Psicológica Americana (APA): A American Psychological Association (APA) observou a falta de base para apoiar a chamada “síndrome de alienação parental” e levantou preocupações sobre o uso do termo. A APA não possui posição oficial sobre a suposta síndrome. A teoria de Gardner foi descartada por associações médicas, psiquiátricas e psicológicas.
• Relatora Especial da ONU sobre violência contra mulheres e meninas, Reem Alsalem (Relatório A/HRC/53/36, de abril de 2023):
o No seu relatório, Reem Alsalem categoriza a “alienação parental” como um “pseudoconceito” que “foi cunhado por Richard Gardner, um psicólogo, que afirmou que crianças que alegam abuso sexual durante divórcios de alto conflito sofrem de ‘síndrome de alienação parental’ causada por mães que levaram seus filhos a acreditar que foram abusados por seus pais”.
o A teoria de Gardner tem sido “criticada por sua falta de base
empírica, por suas afirmações problemáticas sobre abuso sexual e por reformular as alegações de abuso como falsas ferramentas para alienação”.
o O relatório destaca que, apesar de ter sido descartada por associações médicas, psiquiátricas e psicológicas e retirada da Classificação Internacional de Doenças pela OMS em 2020, a alienação parental tem sido “amplamente utilizada para negar alegações de abuso doméstico e sexual nos sistemas de tribunais de família em escala global”.
o Reem Alsalem enfatiza que o uso da alienação parental é “altamente baseado no gênero e frequentemente usado contra as mães”. Em um estudo no Brasil, mulheres foram acusadas em 66% dos casos, enquanto homens em 17%.
o O relatório conclui que a aplicação da alienação parental pode levar a “resultados catastróficos” em decisões de custódia, resultando em incidentes perigosos e até na morte de crianças e mulheres. Mães podem perder a guarda ou ter contato supervisionado com agressores, revitimizando mulheres e crianças.
o Uma das recomendações centrais de Reem Alsalem aos Estados é que “legislem para proibir o uso de alienação parental ou pseudoconceitos relacionados em casos de direito de família e o uso dos chamados especialistas em alienação parental e pseudoconceitos relacionados”.
• Relatora Especial da ONU sobre violência contra mulheres e meninas, Reem Alsalem (Relatório A/HRC/59/47/Add.1 sobre o Reino Unido, de maio de 2025):
o O relatório mais recente de Reem Alsalem reitera a necessidade de “proibir urgente e rapidamente o uso de alienação parental e conceitos pseudocientíficos relacionados”, e que sejam nomeados apenas especialistas “totalmente qualificados (psicólogos ou psiquiatras) que sejam regulamentados e tenham treinamento regular credenciado sobre abuso doméstico”.
o O documento também salienta a necessidade de “garantir o fim do envolvimento parental entre pais abusivos e seus filhos a todo custo” e de “proibir a remoção de crianças do pai com quem moram com o objetivo de reiniciar, reparar ou melhorar o relacionamento da criança com o outro pai”.
o Reconhece as reformas legislativas no Reino Unido que buscam focar em evidências de abuso em vez de reconvenções de alienação parental, e saúda a orientação do Family Justice Council (Reino Unido) de dezembro de 2024 que “rejeitou a aplicação geral da ‘síndrome de alienação parental’ e determinou que os tribunais avaliem se a rejeição de uma criança a um dos pais decorre de abuso”, além de “proibir psicólogos não regulamentados”.
• Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW):
o 2011 (Observações sobre a Itália, CEDAW/C/ITA/CO/6): O Comitê notou a Lei nº 54/2006 na Itália, que introduziu a guarda compartilhada, mas expressou “preocupação com a falta de estudos sobre o efeito desta mudança legal, especialmente à luz de pesquisas comparativas que apontam para efeitos negativos nas crianças (especialmente crianças pequenas) de custódia compartilhada forçada”. O Comitê ficou “ainda mais preocupado com relatos de suspeita de alegação de abuso infantil em casos de custódia, com base na teoria duvidosa da Síndrome de Alienação Parental”. Recomendou à Itália que avaliasse a mudança legal na área da guarda de menores por meio de estudos científicos.
o 2024 (Observações sobre o Brasil, CEDAW/C/BRA/CO/8-9): O Comitê observou que a Lei 14.713 (2023) do Brasil estabelece que o risco de violência doméstica ou familiar é motivo para impedir a guarda compartilhada. No entanto, o Comitê “observa com preocupação que a Lei nº 12.318 (2010), conhecida como Lei de Alienação Parental, tem sido utilizada contra mulheres que denunciam violência doméstica por parte do pai, resultando em estigmatização dessas mulheres e privação da guarda de seus filhos”. O Comitê “recomenda que o Estado-Parte: Revogar a Lei nº 12.318 (2010), conhecida como Lei de Alienação Parental, eliminar o viés judicial de gênero e garantir que os tribunais domésticos deem a devida importância às situações de violência doméstica e familiar e ao melhor interesse da criança ao decidir sobre o direito de guarda e visitação no divórcio”.
o Em outras observações, o Comitê instou Estados Partes a “abolir o uso da alienação parental em processos judiciais e a conduzir treinamento judicial obrigatório sobre violência doméstica, incluindo seu impacto sobre as crianças”.
• Conselho da Europa (Convenção de Istambul): A Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica exige que as autoridades judiciais não emitam ordens de contato sem considerar incidentes de violência. O Grupo de Peritos do Conselho de Europa sobre a Convenção de Istambul destacou o uso generalizado da alienação parental como meio de minimizar as evidências de violência doméstica e identificou a necessidade de “garantir que os profissionais relevantes sejam informados da ausência de fundamentos científicos para síndrome de alienação’ e o uso da noção de ‘alienação parental’ no contexto da violência doméstica contra a mulher”.
• Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher: Esta Convenção obriga os Estados a “condenar todas as formas de violência contra a mulher” e a agir com a devida diligência para prevenir, investigar e sancionar tal violência. O uso da alienação parental “poderia ser usado como um continuum de violência de gênero e gerar responsabilidade a Estados por violência institucional”.
• Convenção sobre os Direitos da Criança (CRC): A falha em abordar a violência do parceiro íntimo e a violência contra crianças em decisões de custódia viola os direitos da criança e o princípio de seu melhor interesse. As opiniões das crianças devem ser ouvidas e devidamente consideradas, e elas têm o direito de ser protegidas contra todas as formas de violência.
3. DECLARAÇÃO DA RELATORA ESPECIAL REEM ALSALEM NAS REDES SOCIAIS (“X”) DESMENTINDO O IBDFAM
Em um desenvolvimento crucial e em resposta direta à Nota Técnica do IBDFAM, a Relatora Especial da ONU, Reem Alsalem, publicou uma declaração em sua conta oficial na plataforma “X” (anteriormente Twitter) em 09/07/2025. Nesta publicação, Alsalem expressa “profunda preocupação” com as “desinformações propagadas pelo @IBDFAM_oficial”.
Ela esclarece enfaticamente que seu relatório A/HRC/53/36 (2023) “não foi rejeitado nem retirado, como erroneamente declarado pelo instituto”. Esta é uma refutação direta da afirmação do IBDFAM de que o relatório da ONU havia sido “retirado (retirado)”.
Alsalem vai além, questionando a “motivação por trás dessa campanha de desinformação” do IBDFAM e sugerindo que os achados de seu relatório sobre a “instrumentalização das acusações de #alienaçãoparental contra mães brasileiras” tenham se mostrado “particularmente incômodos ao instituto”. Esta declaração diretamente confronta a narrativa do IBDFAM de que o relatório da ONU seria “equivocadamente divulgado” e baseado em “teorias não comprovadas ou viés acadêmico”.