“Os 35 anos do ECA – seus avanços e desafios – Parte IV”

### Os 35 Anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: Avanços, Desafios e a Batalha Contínua pela Proteção Integral

O Brasil celebra um marco crucial em sua jornada pelos direitos humanos: os 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Fruto de um processo de mobilização social e das novas diretrizes da Constituição Federal de 1988, que aderiu a tratados e convenções internacionais, o ECA (Lei nº 8.069/90) consolidou a **Doutrina da Proteção Integral**. Essa legislação revolucionária transformou crianças e adolescentes de “objetos de tutela” para **”sujeitos de direitos”**, exigindo prioridade absoluta na garantia de seus interesses e necessidades.

A evolução jurídica do país, impulsionada pelo ECA, estabeleceu um sistema protetivo que busca assegurar o desenvolvimento biopsíquico saudável da criança. Exemplo notável dessa progressão é a **Lei Menino Bernardo (Lei nº 13.010/2014)**, que veio explicitar o direito de crianças e adolescentes serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante. Esta lei, embora tenha gerado debates sobre a intervenção estatal na esfera familiar, reafirma o caráter **pedagógico e formativo** das sanções, priorizando o diálogo e a não violência na educação. Além disso, a Lei Menino Bernardo impulsiona a **articulação intersetorial** entre órgãos da União, Estados e Municípios, e a formação continuada de profissionais para prevenir e identificar todas as formas de violência.

Apesar dos inegáveis avanços, a efetivação plena dos direitos da criança e do adolescente enfrenta desafios persistentes. Um dos mais emblemáticos é a **exploração do trabalho infantil**, notadamente nos meios de comunicação. A Constituição Federal de 1988 é clara ao vedar qualquer trabalho para menores de dezesseis anos, permitindo apenas a condição de aprendiz a partir dos quatorze. No entanto, o “trabalho infantil artístico” persiste, muitas vezes mascarado como “atividade artística”, em uma interpretação equivocada do Artigo 8º da Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As evidências apontam que a participação em novelas, seriados e publicidades configura uma **relação de trabalho** com fins econômicos, subordinação e onerosidade, e não uma mera manifestação lúdica ou pedagógica. Isso gera prejuízos irreversíveis ao desenvolvimento físico e psicológico das crianças. A omissão legislativa em demarcar explicitamente a distinção entre trabalho e atividade artística, somada à falta de dados oficiais e mapeamento preciso, impede a formulação de políticas mais eficazes para coibir essa prática.

Outra área de constante debate reside na admissibilidade de conceitos como a **Síndrome de Alienação Parental (SAP)** nos tribunais de família. Apesar da Lei brasileira de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010) ter sido inspirada nessa problemática, a SAP, em sua concepção original, é **cientificamente controversa**, não sendo reconhecida por organizações profissionais como o DSM-5 e carecendo de estudos robustos e revisados por pares. A admissibilidade de especialistas em SAP/AP é frequentemente questionada sob os padrões de confiabilidade probatória, como os testes Daubert ou Frye-Mack. Críticos argumentam que a aplicação inadequada de tais teorias pode, inclusive, minar acusações legítimas de violência doméstica e abuso contra mulheres e crianças. A perícia nesse contexto exige uma avaliação ampla, baseada em princípios e métodos confiáveis, e realizada por profissionais habilitados.

A efetividade do sistema de garantia de direitos depende da **atuação conjunta e articulada** de todos os seus componentes: Conselhos Tutelares, Ministério Público (incluindo o do Trabalho), Poder Judiciário, e a própria sociedade civil. Iniciativas como a Recomendação Conjunta nº 01/2014 em São Paulo, que visa unificar a compreensão sobre a natureza do trabalho artístico infantil entre a Justiça do Trabalho e a Justiça da Infância e da Juventude, são exemplos de esforços para superar a ineficácia da atuação isolada.

Em seus 35 anos, o ECA não é apenas um conjunto de normas, mas um símbolo do compromisso nacional com a **dignidade da pessoa humana em desenvolvimento**. Os desafios, embora significativos, não obscurecem a importância de seus avanços. Para que a proteção integral seja uma realidade plena, é fundamental que o Brasil continue investindo no **aprimoramento legislativo**, na **coleta de dados precisos**, na **sensibilização da sociedade** e, acima de tudo, na **intersetorialidade das políticas públicas**. A luta contra a exploração e a violência infantil exige a vigilância e o engajamento contínuo de todos os cidadãos, do Estado e da família, para que os interesses das crianças e adolescentes prevaleçam sobre quaisquer outras forças.

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