OPORTUNISMO NA ALIENAÇÃO PARENTAL (FALSA ACUSAÇÃO DE ALIENAÇÃO PARENTAL)

Segundo Maria Clara Sottomayor, a SAP tem um grande poder de sedução para os Tribunais na medida em que oferece soluções demasiado fáceis e lineares para resolver problemas complexos.9 As crianças têm sentimentos e desejos próprios, sendo a recusa ao convívio um fenômeno multifatorial, não resultando necessariamente de alienação parental.
Neste contexto, um importante aspecto de debate é a permissão legal de decisões cautelares com base em indícios de alienação parental (artigos 4º e 6º), o que denota um caráter intimidador, servindo como barganha ao acusador pela aplicação da teoria da ameaça, que consiste na utilização da lei como ameaça face ao extenso rol punitivo aplicável ao acusado de alienação parental.11 Ou seja, a simples declaração de indícios de alienação parental autoriza, no ordenamento jurídico brasileiro, a aplicação de sanções ao pretenso genitor alienador.
Para Sottomayor, a terapia da ameaça e a transferência da guarda para o genitor que se diz vítima de alienação parental, com base em acusações e presunções de manipulação em face da recusa da criança por aplicação automática da SAP, sem provas rigorosas das circunstâncias do caso concreto, acabam por traumatizar ainda mais as crianças.
A dificuldade probatória, em um sentido ou outro, é evidente, mesmo com auxílio especializado multidisciplinar, com ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, análise do histórico processual e da conduta das partes, não apenas pela complexidade e pela gravidade do que se perquire, mas também pelo prazo legal para elaboração de laudo pericial, de escassos
noventa dias.

3. FALSA ACUSAÇÃO DE ALIENAÇÃO PARENTAL
Ainda que se presuma a boa-fé, nem sempre ela estará presente. É preciso um olhar atento e cauteloso não apenas à postura daquele acusado de alienador, mas ao acusador, dito alienado. A SAP, sem sombra de dúvidas, pode ser invocada com objetivos escusos, inclusive, de mascarar verdadeiros crimes de abuso sexual infantil.

Maria Clara Sottomayor refere que, em Portugal, a alienação parental tem sido suscitada em casos de violência doméstica com a finalidade de imputar uma intenção de afastar os filhos do convívio com o genitor processado criminalmente.
Alguns tribunais têm desvalorizado as alegações de abuso sexual com base na síndrome de alienação parental e, posteriormente, deparam-se com provas contra o progenitor abusador, condenado em processo-crime.
A acusação da prática de alienação parental pode também ter lastro em motivações financeiras, como obtenção de poder de barganha na negociação dos termos do divórcio: guarda dos filhos, pensão alimentícia, partilha de bens etc. Também, pode intencionar a continuidade e o acirramento do litígio como uma forma de manutenção de vínculos ou simplesmente buscar prolongar o andamento do feito, sem qualquer preocupação face à ausência de repercussões quanto ao deslinde negativo da pretensão que não uma simples declaração de improcedência.
A proposição de uma ação desta natureza pode ter um objetivo retaliatório, o backlash 16, visto que o custo emocional e financeiro de suportar uma demanda judicial pode não ser o mesmo para cada uma das partes envolvidas. Ou, ainda, configurar em si uma prática alienadora, como instrumento de exclusão do vínculo parental com o genitor acusado.
É preciso tentar compreender, caso a caso, os motivos pelos quais os filhos estão a rejeitar um dos genitores, analisando inclusive o comportamento do genitor rejeitado.18 Não raro, é o próprio genitor se anula da vida dos filhos, a jurisprudência é farta de casos de abandono filial. E se depois de meses ou anos este genitor reaparece, reivindicando um afeto não construído perante os filhos, não poderá haver uma tendência a acreditar que a mãe tenha de alguma forma alienado? E nas situações em que os genitores estão há anos litigando judicialmente, muitas vezes com incumprimento de determinações judiciais de visitas, será que não haverá de ser fácil alegar uma alienação parental perpetrada pelo ex-cônjuge?
Advogando no Brasil, presenciei de perto um caso exatamente assim. Um casal que há quase uma década litigava judicialmente seu divórcio, no qual o genitor, sem conseguir diferenciar as relações conjugal e parental, foi cada vez mais afastando-se dos filhos, não obstante as reivindicações da exmulher acerca da participação paterna. Não os visitava, não os inseria em sua nova vida, nem se preocupava em cumprir com sua obrigação alimentar. Ao fim do processo, não tendo atingido seus objetivos monetários e esgotados todos os recursos possíveis, este genitor ingressou com uma Ação Declaratória de Alienação Parental contra a ex-mulher. Mais de dois anos de tramitação desta nova ação, toda a família submetida a perícia, os laudos evidenciaram que não havia alienação parental.
Outro exemplo, com consequências trágicas e irreversíveis, é o Caso Joanna, como ficou conhecido no Brasil, ocorrido em 2010 no Rio de Janeiro. A menina Joanna Cardoso Marcenal Rodrigues Marins, de cinco anos de idade, teve a guarda materna revertida em favor do pai com base em uma falsa acusação de alienação parental e um laudo psicológico que, segundo informações, teria sido elaborado sem ouvir Joanna e
membros da família materna.19 Mesmo com registros policiais de agressão por parte do pai e da madrasta, a guarda for revertida
em favor dele, proibidos contatos da mãe com a filha durante 90 dias.Menos de três meses depois, Joanna foi internada, vítima de maus tratos (acusados de tortura o pai e a madrasta), apresentando marcas de queimaduras e hematomas pelo corpo, vindo a falecer.
É preciso considerar dois grupos de falsos acusadores de alienação parental: os delirantes, que realmente acreditam estar sendo alienados; e os maliciosos, que utilizam falsamente tal argumento para obter vantagens no litígio.Em analogia ao que prescreve o art. 3º da Lei 12.318/2010, no caso dos acusadores maliciosos, não parece incorreto aferir que a falsa acusação também pode ferir direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudicando a realização de afeto nas relações parentais e seu grupo familiar, constituindo um abuso moral contra elas e um descumprimento dos deveres decorrentes de tutela ou guarda.
Deve haver muita atenção por parte dos operadores do direito e dos profissionais multidisciplinares envolvidos nestes casos compreensão global do contexto em que a contenda está inserida, para não se cegarem ou deixarem manipular. Ou seja, imperioso detectar se tal consiste em uma suspeita fundada ou de mera manobra processual, uma aventura jurídica proposta levianamente, instrumentalizando os filhos com um objetivo retaliatório, gerando-lhes desnecessariamente sofrimento, instabilidade e ansiedade e imputando-lhes danos ao seu desenvolvimento e danos à relação parental como um todo. A falsa acusação de alienação parental é um claro exemplo de comportamento oportunista.

3.1. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E COMPORTAMENTO OPORTUNISTA

A Análise Econômica do Direito representa uma forma de identificar comportamentos, escolhas e tomadas de decisão (suas razões e consequências). Devido à sua forma abordagem, ela está especialmente atenta a oportunismos estratégicos das partes face a eventuais deficiências da tutela jurídica. A tradicional abordagem econômica ao comportamento (à qual aderimos) baseia-se em uma teoria de decisões individuais: a teoria da escolha racional (ou modelo do agente racional), que explica em termos econômicos a forma como as pessoas fazem
escolhas.
Um dos pressupostos centrais do modelo do agente racional é o de que a maioria das pessoas é racional e, portanto, têm um comportamento maximizador, pois a racionalidade exige a maximização.
Outro pressuposto é o de que as pessoas respondem a incentivos, de modo que, se seu entorno mudar de tal forma que elas possam aumentar sua satisfação através de uma alteração comportamental, elas assim o farão.
Um terceiro pressuposto é o de que a interação de agentes maximizadores tende ao equilíbrio (ponto de repouso), que pode ser estável
(mantendo-se a menos que seja abalado por fatores externos) ou instável.
Esta teoria objetiva explorar as implicações da racionalidade maximizadora em todas as áreas da vida: objetivos, satisfações, interesses pessoais etc., o que pode ser resumido no termo utilidade.
Ela permite generalizações acerca do comportamento humano, atribuindo uma linha de conduta previsível segundo a qual, dentre opções disponíveis, a escolha será sempre por aquela que ofereça maior satisfação, dependendo da informação disponível sobre as opções e
consequências e da probabilidade de determinados resultados futuros.
Muito embora o modelo da escolha racional possa ser considerado frágil para descrever decisões individuais, ele permanece como uma válida aproximação de descrição do comportamento humano. Sua aplicação prática pode se extremamente benéfica nas disputas familiares, sobretudo
porque visa à racionalização do conflito (afastando emoções decorrentes de relação desgastada), maximização das vantagens possíveis (ou seja, o bem-estar) e redução dos custos financeiros, temporais emocionais.
Tal ocorre através da ponderação entre custos e benefícios, vantagens e desvantagens, em um contexto de racionalidade limitada e de recursos escassos, que obriga a todos a fazer escolhas levando em consideração o custo de oportunidade face às outras opções que foram preteridas.

3.1.1. USO OPORTUNISTA DO JUDICIÁRIO

Inúmeros países têm vivido uma fortíssima crise de excesso de processos em andamento, vindo a mídia noticiando índices de litigiosidade altíssimos, os quais conduzem a uma crise de ineficiência e morosidade, majorada por demandas oportunistas.
A disparidade econômica entre as partes, no âmbito do processo judicial, representa uma inegável vantagem à que dispõe de maiores recursos, não apenas pela possibilidade de ingressar com uma demanda judicial (ameaça de litígio plausível e efetiva) e suportar os custos da sua longa tramitação, mas também na produção de provas e discussão da causa, apresentando seus argumentos de forma muito mais eficiente.
Não é raro os litigantes aproveitarem a seara judicial para continuar a brigar, buscando o Poder Judiciário não para administrar ou solucionar seu conflito, mas para incrementálo. Estes litigantes buscam uma solução que não é jurídica, utilizando o processo judicial com a finalidade de expor e agredir o outro, fazendo do litígio uma forma de manutenção de vínculos, com desnecessários custos financeiros e emocionais a eles próprios.
Assim, não é raro que novas demandas venham a ser propostas pelas mesmas partes, com base no mesmo conflito ou em questões a ele conexas, sobretudo no âmbito da família.
É necessário que o Judiciário reconheça e combata essa convocação a contracenar e sustentar a perpetuação do litígio, inserido em um contexto de jogo encenado conjuntamente pelas partes com base em motivações conscientes ou inconscientes.

(http://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2018/6/2018_06_0279_0302.pdf)

http://www.cidp.pt/revi…/rjlb/2018/6/2018_06_0279_0302.pdf